Dois afilhados, duas mães, uma família dedicada e muitos amigos fazem da vida do jovem Willian, em meio a batalha pela inclusão, uma aventura cheia de conquistas e afeto.
2019 foi um ano marcante. Ano em que a Kelli e a Dani realizaram o sonho de casar, perante familiares e amigos, depois de 12 anos morando juntas. Uma celebração para ficar na memória de todos, principalmente do Willian, que foi um dos padrinhos de casamento e demonstrou toda a emoção por meio de muitas lágrimas e de uma declaração de amor: “Elas são muito lindas. Eu amo minha mãe Dani, eu amo minha mãe Kelli”.
Willian Walter tem 19 anos. É amoroso, inteligente, organizado e cuidadoso. Cursa o Terceiro Ano do Ensino Médio. Na escola, já enfrentou muitas dificuldades, sofreu bullying, mas também viveu aventuras, conquistas e criou conexões que nunca serão esquecidas: as da verdadeira amizade.
O jovem adulto, que tem síndrome de Down, é filho do primeiro casamento da Kelli. Ele mantém contato com o pai (separado da mãe desde 2006), mas é com a Kelli e a Daniele que ele mora, além das duas irmãs: Ketlin, a mais velha, também filha do primeiro casamento, e Ana Luiza, a caçula, fruto do desejo e planejamento da Kelli e da Dani para terem uma filha delas e selarem o amor e a união da família.
Nesse núcleo, tão singular e ao mesmo tempo tão plural, também tem espaço pro Junior, namorado da Ketlin (irmã do Willian) há oito anos, e um grande parceiro do Willian. Aliás, Junior e Willian fazem aniversário no mesmo dia, 16 de setembro.
Este ano (2020), o aniversário do Willian foi ainda mais especial. Ele ganhou um presente embrulhado em muita alegria: o segundo afilhado. O recém chegado Gael Felipe nasceu exatamente no dia do aniversário de 19 anos do padrinho. O bebê é filho de um sobrinho da Dani, um rapaz com quem o Willian sempre se deu muito bem.
No coração desse padrinho também mora o primeiro presente que ele recebeu para ajudar a cuidar. Heitor, de dois anos de idade, é filho da prima do Willian que deveria ter nascido quase junto com ele – ela é um mês mais nova, isso porque o Wil se antecipou e nasceu um mês antes do previsto.
Heitor e Gael transformaram a vida do ‘dindo’, que vem amadurecendo e se sentindo cada dia mais adulto e responsável. Willian é um padrinho orgulhoso, atento e que, mesmo em frases curtas, transborda afeto.
Diagnóstico, dor, luta e persistência
A Kelli ainda lidava com a morte da mãe, falecida no mês de julho de 2001, quando o Willian nasceu. Emocionalmente abalada, uma semana após o falecimento da mãe, ela precisou ser hospitalizada. Casada, mãe de uma menina de três anos, grávida, com a mãe doente e que infelizmente veio a falecer, Kelli tinha muito com o que lidar naquele momento.
Apesar de tudo, o bebê nasceu grande e saudável, mas a pediatra pediu uma série de exames. Eram muitos exames para alguém que acabava de chegar ao mundo. Mesmo assim, eles foram feitos e precisaram ser refeitos, o que causou na Kelli um estranhamento ainda maior.
Com dez dias de vida, o Willian ficou amarelo e precisou voltar pro hospital e ser internado. No hospital, ele chorava muito, o que, somado aos exames e a demora para sair o resultado, aumentava a preocupação da Kelli.
O Willian frequentou o Capp (Centro Associativo de Atividades Psicofísicas Patrick, uma instituição de atendimento a pessoas com deficiência, sediada em Chapecó/SC) até os 13 anos. Lá ele recebia estímulos e as terapias necessárias.
O garoto também foi para a escola regular. No Primeiro Ano a professora achou que ele não precisava de segundo professor. Ele também seguiria a turma junto com os colegas, passando pro Segundo Ano, mas percebendo que ele era menor e mais imaturo que os demais e que não estava em processo de alfabetização, a Kelli solicitou formalmente que o menino permanecesse no Primeiro Ano. O pedido foi autorizado, mas essa foi apenas uma das batalhas que ela precisou enfrentar.
Apesar do sofrimento, por uma questão de logística – e também por achar que o ano seguinte sempre poderia ser melhor – a Kelli manteve o Willian na mesma escola durante todo o Ensino Fundamental. Ela e a Dani seguiram batalhando pela inclusão efetiva dele, a cada ano, a cada acontecimento diferente. Kelli é formada em Pedagogia (com especialização em Educação Especial) e dá aula desde 2013. A Daniele também é professora, formada em Ciências Biológicas e Pedagogia (com especialização em Gênero e Diversidade Escolar).
Nova escola, novas histórias
Quando chegou a hora de frequentar o Ensino Médio, o adolescente foi transferido para a escola em que estuda até hoje (está concluindo o Médio este ano) e, entre desafios e conquistas, foram muitas as surpresas dos últimos três anos. Na Escola de Educação Básica Tancredo de Almeida Neves, no bairro Efapi, em Chapecó, o Willian foi para o ensino integral, o chamado ‘Inovador’ – tinha aulas todas as manhãs e três tardes. Entretanto, por uma questão de carga horária, o segundo professor não era o mesmo de manhã e de tarde, o que a Kelli achou que seria confuso e acabou transferindo o Willian para o período noturno, pra uma turma de 40 alunos, cheia, grande e sobre a qual havia muitas reclamações.
Preocupada com o filho estudando à noite e em uma turma tão diferente do que estava acostumado, Kelli, que já trabalhava em outras escolas, se inscreveu para ser a segunda professora dele. Iniciava uma nova aventura entre mãe e filho: agora, a ‘mãe Kelli’, passava a ser também a ‘professora Kelli’.
No Primeiro Ano do Ensino Médio, na turma do período noturno, apesar da preocupação da Kelli, o Willian foi muito bem recebido e acolhido pelos colegas. A presença do Willian na classe abriu as portas para falar sobre diversidade e respeito às diferenças.
A turma acabou se engajando na causa da inclusão, além de criar um vínculo importante com o Willian. No aniversário dele, em 2018, teve uma festa só com os colegas.
No final daquele ano, não houve prova para segundo professor e os amigos entenderam que era hora de brigar pelos direitos das pessoas com deficiência. Fizeram um manifesto na escola e combinaram: se a escola é para todos, mas por não ter segundo professor o Willian não pode vir, então ninguém vem. Os estudantes fizeram uma mobilização em frente à escola e falaram sobre educação especial. Ao final daquele ano, todos estavam diferentes. O Willian ganhou muito, mas os que tiveram a oportunidade de conviver com ele ganharam mais.
No ano seguinte, a Kelli transferiu o Willian pra turma do período diurno. Mais uma vez, ele foi bem recebido e integrado às atividades. A antiga turma, do noturno, também não o esqueceu e chegou a ‘matar’ um dia de aula no início do ano para ir visitar o Willian em casa, à noite. No fim, as duas turmas queriam ‘ficar’ com ele. Mais uma vez, o jovem fez grandes amizades. E celebrou seu aniversário, em 2019, com os colegas novos e antigos e a alegria em dobro.
A vida em família
Agora, o Willian está no Terceiro Ano e voltou a estudar à noite. Com a pandemia do Covid-19, esse ano ele ficou pouco tempo com a turma, mas acompanha as aulas on-line. Estudante do período noturno e com dois afilhados, o rapaz de 19 anos sente que cresceu e quer dar o próximo passo: ter uma namorada.
Enquanto isso não acontece, ele segue estudando, curtindo a família, ouvindo o som dos Serranos – sua banda preferida –, e sendo o mais organizado da casa. O Willian dobra as roupas com tanta perfeição que elas nem precisam ser passadas. Ele organiza os quartos, lava a louça, tira o lixo, estende a roupa, enfim, colabora com as tarefas da casa.
Ele também tem na irmã caçula, a Ana Luiza, uma grande companheira. Apesar da diferença de idade – ela é 8 anos mais nova –, desde que a Ana chegou na família, todos sentiram que ele evoluiu. A Ana sempre foi muito precoce e eles se tornaram grandes parceiros.
A irmã mais velha, Ketlin, está cursando Fisioterapia, motivada pelo trabalho realizado com o Willian ao longo de toda a vida. Este ano, deu início a um projeto de pesquisa voltado às experiências vividas por mães de pessoas com síndrome de Down.
A ‘mãe Dani’ (como o Willian chama a Daniele) é parte fundamental da família. É a ela que Willian se reporta quando precisa pedir alguma coisa. Ele e as irmãs sempre respeitaram a Dani e normalmente obedecem mais a ela do que a própria Kelli. É ela que vai nas reuniões de pais na escola, por exemplo.
A Dani se integrou à família com uma participação efetiva, que transformou a vida de todos.
Juntas, a Kelli e a Daniele enfrentam também o desafio de viver numa sociedade que muitas vezes julga e discrimina.
Em uma família tão bem resolvida, não há espaço para preconceito. Por aqui, o respeito e a inclusão acontecem naturalmente. Só é bem-vindo quem puder entender isso. E nem é tão difícil: basta olhar com respeito e, se possível, com uma dose de amor.