Quando nasce uma raridade

Jean e Eliandra vestem avental hospitalar branco. Eliandra segura o bebê no colo. Os pais sorriem, o filho dorme e usa sonda no nariz.

Jean e Eliandra, no dia que puderam pegar o filho no colo pela primeira vez. Foto: acervo da família

Planalto Alegre/SC

O menino que nasceu no Dia das Mães veio chorando baixinho e com um conjunto de sintomas que geraram dor e preocupação. A família precisou recalcular a rota e seguir em frente com muito amor.

“A pediatra veio no quarto e falou que ele era molenga, sem testículos, com o queixo para trás (afundado) e que o coração batia às vezes bem, outras vezes mal. Disse que ele não chorava direito, que miava. Falou que ele podia ter uma síndrome. A palavra ‘síndrome’ me derrubou.

Tinha outras duas mães no quarto e a médica falou na frente delas. Elas me olhavam com pena. Eu só chorava. Foi horrível”.

Eliandra de Almeida, mãe do Giordano.

A notícia, dada de uma forma tão atravessada e com poucos esclarecimentos, veio no dia seguinte ao nascimento do Giordano. Um susto, que traria muitos desafios, mas também muito aprendizado e conquistas.

 A gravidez foi planejada, com pré-natal normal; a realização de um sonho para a Eliandra e o Jean, que estão juntos há 11 anos. A Eliandra já tinha uma filha, de um relacionamento anterior, a Brenda, de 19 anos. Com a menina crescida, o casal sentiu que era hora de aumentar a família. Durante a gestação, a única preocupação foi que o bebê se mexia um pouco menos do que a Brenda quando estava na barriga, mas os exames não apontavam intercorrências.

Entretanto, depois do último ultrassom, feito com 36 semanas, o bebê não cresceu mais. Foram três semanas na barriga com o desenvolvimento estagnado. O pequeno Giordano ficou em sofrimento fetal, mas isso só foi detectado no dia do nascimento.

Ele nasceu no segundo domingo do mês de maio de 2019, de 39 semanas, com 2,6 kg. O tamanho já foi um susto, pois os pais esperavam um bebê com mais de três quilos: ele saiu da barriga com o mesmo peso que estava no ultrassom feito na 36ª semana de gestação.

“Ele nasceu e não ouvimos o choro, não veio logo para nós, só mostraram um pouquinho. Ali já ficamos preocupados. Vimos que era menor do que a gente esperava, mas parecia bem.

Ao longo do dia tentei esclarecer com os médicos a situação, mas um disse que ele não nasceu bem, outro disse o contrário, só que ele não vinha para o quarto e isso nos deixava confusos e aflitos”.

Jean Assmann Ferro, pai do Giordano.

Enquanto a Eliandra ainda estava na sala de recuperação, levaram o bebê para ela amamentar, mas ela percebeu que ele não mamou, que chorava sem força e que não se movimentava. O bebê não foi levado para o quarto com a mãe. A angústia a respeito do que poderia estar acontecendo durou até o dia seguinte, quando finalmente a pediatra levou informações aos pais. Só que essas informações foram ainda mais confusas e dolorosas: poucas explicações, a possibilidade de uma síndrome e muitas incertezas.

Foram 13 dias na UTI – o bebê caiu em um sono profundo e não acordava, nos horários de visita os pais sempre o viam dormindo – e outros 10 de internação. Giordano teve laringomalácia (alteração congénita da laringe que se manifesta em um ruído agudo – chamado estridor – ao inspirar, resultado de um movimento inadequado das estruturas da laringe durante a respiração). Precisou usar sonda, depois migrou para a gastrostomia. Ele fez diversos exames: cariótipo, ressonância, teste do pezinho ampliado. Nenhuma alteração foi encontrada.

Jean e Eliandra vestem avental hospitalar branco. Eliandra segura o bebê no colo. Os pais sorriem, o filho dorme e usa sonda no nariz.
Jean e Eliandra, no dia que puderam pegar o filho no colo pela primeira vez.
Foto: acervo da família

Cair e levantar

Viver aquela situação angustiante, depois de receber a notícia de forma tão dolorosa, e acompanhar o bebê hospitalizado sem respostas do que realmente ele tinha, mexeu com o emocional da Eliandra. Ela se sentia de luto, pela perda do filho idealizado durante a gestação. Era preciso entender que o maternar, em si, já se caracteriza por gerar um ser distinto de nós, diferente, único, singular, com seus próprios potenciais e necessidades. Era preciso entender que amar na diversidade é simplesmente amar. Era preciso se fortalecer, se reconstruir e levantar.

“Meu luto foi de uns 40 dias. Eu estava iniciando uma depressão. Fui pra psicólogo e psiquiatra. Depois comecei a aceitar, não tinha o que fazer, não ia mudar a história.

Precisava entender que seria daquele jeito, recalcular a rota e seguir em frente”.

Eliandra, mãe do Giordano.

Para o Jean, as principais preocupações eram com a vida e a saúde do bebê e com o emocional da companheira.

“Do jeito que recebemos a notícia, parecia que nosso filho não ia resistir, foi um choque.

Depois do trauma inicial, para mim foi rápido aceitar a situação, eu pensei: ‘é isso aí, agora ele vai precisar de nós’. Só que eu via que a Eliandra ‘tava’ numa depressão. Era difícil. Mas a questão da força é inimaginável. A gente não dormia, mas ‘tava’ lá, tinha energia, principalmente ela.

A força vem”.

Jean, pai do Giordano.

Junto com a força, veio a determinação para descobrir o que o Giordano tinha. A Eliandra pesquisava muito. Por causa das características, imaginou que pudesse ser síndrome de Prader Willi (SPW) – uma síndrome considerada muito rara. Não descansou até ter as respostas que procurava.

Diagnóstico

O Giordano já fazia fisioterapia e sessões com a fonoaudióloga. Estava com quatro meses quando a família consultou com uma geneticista no Rio Grande do Sul. A médica pediu exame para investigar a SPW – exame genético de metilação do cromossomo 15.

Antes mesmo do resultado, a Eliandra já acompanhava na internet informações de especialistas no assunto e passou a fazer parte de um grupo de apoio a famílias de crianças com a síndrome. O exame confirmou a síndrome de Prader Willi. A partir daí, o conjunto de características passou a ter um nome e, embora não haja cura, tem tratamentos como medicação e terapias para melhorar o desenvolvimento e qualidade de vida.

“Quando veio o diagnóstico eu fiquei aliviada. Com o tratamento, ele só evoluiu: rolou, sentou, engatinhou e brinca com a gente. No tempo dele, ele ‘tá’ evoluindo”.

Eliandra, mãe do Giordano.

Giordano, menino loiro de olhos azuis, sentado, vestindo trajes de rei (capa e coroa).
Giordano está com um ano e meio e evolui a cada dia.
Foto: acervo da família

O Giordano está com um ano e meio. Com sete meses começou a se alimentar pela boca – após muita fonoterapia e com a convicção da mãe de que ele seria capaz. Aos 9 meses, o boton para alimentação foi retirado. Por causa de um registro de atividade epileptogênica (que desencadeia ou produz epilepsia) precisa usar medicação. Os testículos (que, sim, existiam, apenas estavam embutidos no abdome) desceram e não será necessário fazer cirurgia. O coração vai muito bem. Por conta da escoliose – bastante comum na SPW –, usou gesso, colete e agora usa o body postural. Ele sempre foi estrábico e começou a usar óculos com menos de um aninho. Não possui alterações na audição. O menino engatinha e balbucia bastante.

Todas as noites, há 10 meses, o Giordano recebe uma injeção, que é dada pelo pai. É o hormônio do crescimento (GH), parte importante do tratamento em busca de qualidade de vida. O hormônio é utilizado para auxiliar o fortalecimento muscular e reduzir o impacto do atraso causado pela hipotonia (diminuição do tônus muscular e da força, o que causa moleza e flacidez). Além disso, uma das características da SPW é a dificuldade dos bebês em se alimentar e, em contraponto, o surgimento da hiperfagia (aumento anormal do apetite) com o passar do tempo. O GH ajuda a prevenir uma deficiência no crescimento e a aumentar a massa magra, o que pode auxiliar muito, considerando que o apetite descontrolado tende a levar a formas graves da obesidade.

Não existe um protocolo específico do uso do hormônio na síndrome de Prader Willi, por isso, muitas cidades e estados, nos serviços públicos de saúde, não oferecem o tratamento. É o caso de Chapecó/SC, cidade onde a família reside. Foi preciso buscar judicialmente. Alguns meses os pais precisaram pagar para não ficar sem o tratamento, mas conforme o menino cresce, a dosagem aumenta e fica mais caro. Atualmente, eles estão recebendo o hormônio, mas o processo segue em andamento.

Agora, a família também aguarda outro exame – está em carência pelo Plano de Saúde e deve ser feito em 2021 –, para saber qual é o tipo de SPW que o Giordano tem. Existem três formas dela se apresentar:

Gráfico mostra formas de apresentação da SPW, conforme explicação em parágrafo abaixo.

Conforme mostra o gráfico, a mais comum é a deleção de origem paterna na porção proximal do braço longo do cromossomo 15 (entre 65 a 75% dos casos), mas que já foi descartada no caso do Giordano por outro exame. As outras opções são a dissomia uniparental materna do cromossomo 15 (respondem, em média, por 25% dos casos) e a situação mais rara que é de defeitos no centro de imprinting (menos de 5%).

Por conta das características mais frequentes em cada caso, os pais acreditam que o Giordano se encaixe mais na dissomia. Isso porque, normalmente, esse tipo de caso apresenta uma parte comportamental mais semelhante ao autismo, a qual eles já vêm percebendo no menino. A SPW não impede que a pessoa tenha, também, o Transtorno do Espectro Autista.

Força

A rotina vivenciada pela família tem um misto de sobrecarga e tranquilidade. O menino dorme bem à noite e possibilita um descanso para os pais. As dificuldades existem, como na vida de qualquer um, mas são enfrentadas de frente: encarando a realidade, entendendo os desafios e sabendo que é possível vencer – um passo de cada vez, sempre com esperança e união.

“O que fica, de tudo isso, é o que a gente aprendeu. Todos os dias descobrimos alguma coisa.

O plano pro futuro é atender ele e que ele se torne o mais independente possível”.

Jean Assmann Ferro, pai do Giordano.

Independentemente dos próximos capítulos dessa história, hoje ela é vivida com muitas terapias, brincadeiras, aprendizado e amor. E tem espaço também para auxiliar outras famílias e repassar informações, como os pais fazem na página do Instagram do menino: @giordano.spw. O desejo é evitar que outras famílias passem pelas dificuldades de aceitação e diagnóstico que eles passaram, além de dividir um pouco da rotina.

A rotina, aliás, envolve uma maratona de atividades e cuidados: acompanhamento com otorrinolaringologista, endocrinologista, ortopedista, oftalmologista, nutricionista, odontopediatra e neurologista. O Giordano frequenta fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudióloga e psicóloga, uma vez por semana cada atividade.

Em casa, tudo é realizado pensando no desenvolvimento do menino: muita música e historinhas fazem parte da programação. Ele também precisa pegar sol diariamente, tomar vitaminas, medicamentos e o hormônio, que a família chama de picadinha do amor.

Jean e Eliandra, de pé, um ao lado do outro. O pai segura o Giordano no colo. O menino usa óculos com armação azul clara e toca na cabeça. Os pais sorriem.
Entre desafios e conquistas, a família se concentra no aprendizado e no amor.
Foto: acervo da família

Há dias difíceis, alguns mais, outros menos. Em todos tem determinação. E a tal da força. Que sempre vem.

“Eu, tem dias que me sinto bastante sobrecarregada, tem o trabalho, o nenê, as terapias. Além disso, o autismo é uma coisa que eu ainda tenho medo. Hoje mesmo tive uma recaída… mas aí eu lembro de algo que o Giordano me fez descobrir: a força que eu tenho”.

Eliandra de Almeida, mãe do Giordano.