Conhecendo os direitos da pessoa com deficiência

Conhecendo os direitos da pessoa com deficiência

“Quanto mais conhecimento sobre seus direitos uma pessoa adquirir, melhor serão suas decisões de vida”.

(Cristiane Zamari, Advogada)

Essa frase inicial resume o quão importante é o conhecimento sobre os direitos para que as pessoas com deficiência empoderem-se, conquistem os seus espaços e, a cada dia mais, tenham uma vida com maior independência.

No Brasil, todos os cidadãos possuem assegurados os direitos previstos no texto constitucional (BRASIL, 1988). Isso vale tanto para os direitos civis quanto sociais (SARLET, 2012), de forma indistinta a todos os cidadãos. Quanto às pessoas com deficiência, em decorrência das previsões constitucionais, alguns direitos estão esmiuçados em leis e demais normas, as quais são significativas para a visibilidade social que a causa inclusiva merece.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tendo ratificado o tratado internacional da ONU sobre direitos da pessoa com deficiência (BRASIL, 2009), já demonstrou o comprometimento com a causa, mas o marco legal que permitiu alteração significativa no Código Civil brasileiro e, por consequência, o acesso aos direitos mais caros no Estado Democrático de Direito às pessoas com deficiência, quais sejam, liberdade e autonomia, foi a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015).

A LBI destina-se a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania (BRASIL, 2015) e, partir disso, tece direitos específicos para esse público. Importante frisar que, para os termos da lei, “pessoa com deficiência é aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (BRASIL, 2015).

Dentre os principais direitos assegurados, pode ser citado o pleno reconhecimento da capacidade civil das pessoas com deficiência (BRASIL, 2015), com a alteração do Código Civil, o qual considerava pessoas com deficiência intelectual como incapazes. Está ligado também ao direito da interdição como última alternativa. Como se garante autonomia, independência, acesso igual de oportunidades, se retira da pessoa com deficiência o direito de decidir sobre aspectos pessoais da sua vida, como: constituir família, ter/adotar filhos, exercer direitos sexuais e reprodutivos, etc.? Tal reconhecimento, portanto, reforça a ideia de as famílias exercerem o papel de incentivo à autonomia da pessoa com deficiência desde sua infância, para que elas se tornem as protagonistas de suas histórias.

Outro significativo reconhecimento é a igualdade de direitos e de oportunidades: a pessoa com deficiência tem garantido por lei acesso integral aos mesmos direitos e oportunidades que quaisquer outras pessoas (BRASIL, 2015). Desdobramento dessa previsão é a reserva de vagas em concursos públicos, garantindo-se à pessoa com deficiência a reserva de 2 a 5% (dois a cinco por cento) das vagas nos concursos públicos.

É garantido, ainda, à pessoa com deficiência, o atendimento prioritário, em órgãos públicos ou privados, extensivo ao seu acompanhante (BRASIL, 2015). No mesmo sentido, é assegurada atenção integral à saúde da pessoa com deficiência em todos os níveis de complexidade, por intermédio do SUS, garantido acesso universal e igualitário (BRASIL, 2015), bem como a educação em ensino regular e/ou especializado. Quanto à prestação educacional, tanto escolas públicas quanto privadas são obrigadas a matricular e garantir ensino igualitário às pessoas com deficiência, eliminando as barreiras, não só arquitetônicas, mas também pedagógicas, para que a pessoa com deficiência tenha acesso integral ao ensino-aprendizagem, como qualquer outro aluno (BRASIL, 2015). Sendo necessário, a escola deve disponibilizar de professor especializado (segundo professor), sem nenhuma majoração no valor da mensalidade

A livre locomoção também é assegurada, mediante transporte público municipal gratuito (no caso de Chapecó/SC, com encaminhamento junto a Assistência Social do município, por exemplo), tanto para a pessoa com deficiência, quanto para o(a) respectivo(a) acompanhante. A acessibilidade também é reconhecida como direito, que garante à pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida viver de forma independente e exercer seus direitos de cidadania e de participação social em igualdade de condições (BRASIL, 2015).

No âmbito tributário, é conferida a isenção de alguns impostos para aquisição de veículo, a fim de facilitar a compra para conferir maior mobilidade de pessoas que, em razão de deficiências físicas ou debilidades, tenham restrições para realizar atos comuns no seu dia a dia, como dirigir e se deslocar de um lugar ao outro. O veículo precisa ser avaliado em até R$ 70.000,00 (setenta mil reais) para ter isenção maior de impostos e o requerimento precisa observar os requisitos dos órgãos estaduais e federais para concessão do desconto.

Por expressa previsão constitucional, ainda, as pessoas com deficiência são colocadas como ‘superprioridade’ no recebimento dos precatórios (BRASIL, 1988), conforme redação conferida pela Emenda Constitucional n. 94/2016.

No âmbito assistencial, a LBI alterou a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), trazendo o atual conceito de deficiência com vistas à percepção do benefício assistencial de prestação continuada (BPC) pelas pessoas com deficiência (BRASIL, 1993). O recebimento do BPC foi complementado no ano de 2020, com a instituição de pensão especial destinada a crianças com Síndrome Congênita do Zika Vírus, nascidas entre 1º de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2019 (BRASIL, 2020).

O acesso ao mercado de trabalho também é assegurado às pessoas com deficiência. A Lei 8.213/91 estabelece que a “empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas” (BRASIL, 1991). Salienta-se que não há qualquer isenção de cumprimento do percentual legal de contratação de pessoas com deficiência ou beneficiários reabilitados, uma vez que não há ressalva na lei a autorizar qualquer exceção para não cumprimento da cota legal, ou seja, as empresas que se enquadrarem na disposição supracitada, obrigatoriamente, precisam preencher cargos com o número mínimo exigido pela legislação de pessoas com deficiência, mediante fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, atualmente incorporado ao Ministério da Economia.

É fato indiscutível a obrigatoriedade de as empresas contratarem pessoas com deficiência, assim como é evidente o descumprimento da cota legal por grande parte das empresas. Diante disso, a fim de que se torne, de certa forma, mais fácil ingressar no mercado de trabalho utilizando essas vagas destinadas às pessoas reabilitadas ou pessoas com deficiência, a maior a qualificação do candidato ao preenchimento dessas vagas é um ponto positivo, elevando sobremaneira a chance de contratação, especialmente quando for demonstrada noção técnica para o cargo que se irá ocupar, o que pode ser obtido com a realização de cursos técnicos buscando a qualificação profissional, os quais, por sua vez, também são assegurados às pessoas com deficiência, nos termos da LBI (BRASIL, 2015).

No aspecto previdenciário, a LBI prevê que a pessoa com deficiência segurada do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) tem direito à aposentadoria, nos termos da Lei Complementar n. 142, de 8 de maio de 2013, devendo haver avaliação biopsicossocial por equipe multiprofissional e interdisciplinar. No caso da aposentadoria por idade, são exigidos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, independentemente do grau de deficiência, desde que cumprido tempo mínimo de contribuição de 15 (quinze) anos e comprovada a existência de deficiência durante igual período. O valor da aposentadoria da pessoa com deficiência segue as mesmas regras de cálculo da aposentadoria por idade e tempo de contribuição. Ou seja, 70% (setenta por cento) mais 1% (um por cento) do salário de benefício por grupo de 12 (doze) contribuições mensais até o máximo de 30% (trinta por cento), no caso de aposentadoria por idade, e 100% da média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário quando resultar em benefício mais vantajoso ao segurado, ou seja, quando o fator previdenciário calculado for maior que 1.

Em termos gerais, a não discriminação à pessoa com deficiência é garantida pela Constituição e pelas demais normas infraconstitucionais, tanto que seu descumprimento é considerado crime passível de prisão (BRASIL, 2015). Dessa forma, deve-se cumprir o sentido real da palavra ‘inclusão’, oportunizando às pessoas com deficiência autonomia e o verdadeiro empoderamento por questão de justiça, e não de caridade (MATTIELLO, 2016). As previsões normativas asseguram o cumprimento dos direitos a tais pessoas, porém, cabe ao Estado e à sociedade a efetivação de todas as normas previstas, por meio de atos diários de concretização e inclusão.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 5 set.2020.

BRASIL. Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 jul.1991, republicado 11 abr.1996 e 14 ago.1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm. Acesso em: 25 nov.2020.

BRASIL. Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009.Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 ago.2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm. Acesso em: 25 nov. 2020.

BRASIL. Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 8 dez.1993. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742.htm. Acesso em: 25 nov.2020.

BRASIL. Lei 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 7 jul.2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 25 nov.2020.

BRASIL. Lei n. 13.985, de 7 de abril de 2020. Institui pensão especial destinada a crianças com Síndrome Congênita do Zika Vírus, nascidas entre 1º de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2019, beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 8 abr.2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13985.htm. Acesso em: 25 nov.2020.

DUARTE,Alex. Como empoderar pessoas com deficiência: um guia para transformar limitações em autonomia e independência. Campo Bom: Champion, 2019.

MATTIELLO, Darléa Carine Palma. Educação especial como vetor de inclusão das pessoas com deficiência: insuficiências da política nacional de inclusão. Dissertação (Mestrado). UNOESC, 2016.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.


Texto elaborado pelas advogadas Darléa Carine Palma Mattiello, Janes Antunes, Simone Padilha e Taisa Fachinetto, integrantes da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seccional de Santa Catarina, subseção de Chapecó.